quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Capítulo 21 - Sociedade

Na manhã seguinte, eu tive um julgamento e retornei mais cedo para casa. Falei com Kazuko e Keiko. Dei um beijo no meu filho. Tomei banho apenas para relaxar e fui descansar mais ainda lendo outro trecho do diário.
Oi diário,
acabei de voltar de festa de aniversário do chefe de Makoto: Yuuki. Mas tenho coisas a contar antes disso!
Acordei com Makoto na mesma posição. Tirei o braço dele e fui ao banheiro. Tomei banho com o sonho que tive na cabeça. Sonhei com um possível futuro parto, com todos a minha volta, me sufocando. Gritando para eu empurrar o filho do Makoto. Quando ele finalmente saía, todos se voltavam para ele e me esqueciam. Eu ficava ali, ofegante.
Olhei para a minha barriga e falei:
–Espero que não seja assim, bebê. - coloquei a mão – Não será como naquele sonho.
Saí, fui colocar uma roupa. Coloquei a calcinha e decidi me olhar no espelho. Notei o quanto meus seios estavam maiores e também doloridos. Virei de lado e pude perceber a protuberância da minha gravidez aparecendo. Percebi muitas mudanças no meu corpo em apenas algumas semanas.
Ele levantou e veio atrás de mim no espelho.
–Bom dia, Kazuko.
–Bom dia, Makoto. - falei me virando para ele
–Eu não tinha visto o quanto seus seios aumentaram.
–Não só os seios, o corpo todo praticamente.
–É, você engordou um pouquinho. - pegou em meus ombros e me pôs em direção ao espelho – Mas é por uma boa causa: Nosso filho. - colocou a mão na barriga, abraçando-me por trás
–Nosso não, Makoto, só seu.
–Nosso sim. Esqueceu que estamos junto nisso?
–Não me esqueci.
Posicionei minha mão sobre a dele, sorri e uma lágrima caiu do meu olho direito. - ele olhava para através do espelho.
–Não precisa, Makoto. - respondi, rindo – Eu preciso comer, para tomar o meu chá.
–Tudo bem.
Então fomos tomar café, e Makoto me disse da festa de mais tarde.
O resto do dia se passou normalmente, até que nos arrumamos e saímos para a festa.
Não era muito longe, logo chegamos. O chefe de Makoto também morava na cobertura do seu prédio. O apartamento estava cheio. Makoto desejou parabéns ao chefe e lhe deu o presente. Em seguida, fui falar com ele.
–Obrigado, Kazuko. Parabéns a você também, pelo seu bebê.
–Obrigada.
–Bebê? Como é? - era Yoko, ela aparecera
–Boa noite, Yoko. - falei – Eu estou grávida.
–Ora, meus parabéns!
Sorri, agradecendo.
Revi pessoas que foram ao aniversário de Makoto e conheci muitas outras. Nunca recebi tantos parabéns na minha vida, nem no meu aniversário.
Ele foi conversar com outros, e fiquei sentada no sofá. Só que eu tenho essa cara de escrava e chamo atenção das pessoas. Dessa vez foi da Yoko e as amigas dela. Elas se sentaram ao meu lado e à minha frente.
–Está de quantos meses?
–Acho que um mês e meio, quase dois.
–E é escrava do Makoto há quanto tempo?
–Menos de seis meses.
–Nossa, você é apresadinha em.
–Pois é, meu marido achou cedo eu ter engravidado no segundo ano de casamento.
–E tem uns três anos que estou tentando ter o meu segundo.
–E como fez para conseguir tão fácil? - outra me indagou
–Ora, só esqueci de tomar o anticoncepcional.
–O quê? Não foi intencional?
–Nem um pouco.
–Poder da juventude.
–Enquanto isso, Yoko está tentando ter o dela.
Yoko fechou a cara, detestando aquele comentário. Seu olhar se encontrou com o meu, me fuzilando. Senti o ódio que carregava. E fiquei tentando entender o porquê desse olhar ser para mim. Quem falou foi a amiga dela, não eu.
Não quis continuar ali, parecia que o se assunto se estenderia mais ao ponto de ficar desfavorável para mim. Pedi licença, educadamente, e me isolei na varanda daquela cobertura. Fiquei apoiada na sacada observando o céu noturno. Podia ouvir o som dos carros lá em baixo e também as vozes atrás de mim. Percebi alguém se aproximar e falar comigo.
–Kazuko, o que faz aqui?
–Apenas aproveitando a vista, senhor...
–Me chame de Yuuki. Mas meu sobrenome é Shimono. - falou sorrindo – Elas te pertubaram muito?
–Só aquela indagação infinita que é muito comum na minha vida. Perguntam como aconteceu, o que Makoto achou e de quanto tempo estou. Não é mais fácil simplesmente entender que estou grávida e ficar sem fazer perguntas?
–Nem faço ideia de como se sente, mas a Yoko pareceu um pouco perturbada com essa notícia.
–Deve ter notado a maneira que ela me olhou.
–Ela também falou comigo. Ela se sente impotente quando vê que alguém engravida e ela não.
–Tem muito tempo que tentam?
–Desde que nos casamos. Até adotamos o Hiro. Nós o amamos muitos, porém ele não supriu a vontade de ter um filho biológico. E bem... Ela ficou meio revoltada com a facilidade com a qual você conseguiu.
–Yuuki, eu lamento por vocês, mesmo não gostando tanto da Yoko.
–Já sei dessa história. - riu – Mas vamos parar de falar de coisas tristes, afinal, hoje é meu aniversário. E eu sei que um dia terei o meu filho em meus braços e você, em breve, também terá o seu.
–Assim será, Yuuki. - respondi sorridente
–Vou voltar para dentro, tenho que dar atenção aos meus convidados.
Yuuki retornou a festa. Outra pessoa foi a varanda: Makoto.
–O que conversava com o meu chefe?
–Nada demais.
–Não estavam falando mal de mim, né?
–E o que eu diria de mal sobre você?
–Eu sei lá qualquer coisa.
–Estávamos falando da Yoko. Há anos ela tenta ter um filho e não consegue.
–Eu já os aconselhei a fazer inseminação artificial, contudo a Yoko ainda quer que seja do jeito tradicional.
–Ela tem algum problema?
–Não que eu saiba. Só sei que ela abortou algumas vezes quando mais jovem.
–E agora que quer, não consegue.
–Bem por aí.
–Foi por isso que quis ficar com ele? - coloquei a mão na barriga
–Pode ser que você queria um filho no futuro, um aborto acaba machucando o seu corpo e prejudicando as futuras chances. Pode ser que eu queria mais um filho no futuro e não tenha sucesso. Então essa não teria sido uma oportunidade jogada fora. E é injusto com a vida que está se formando... Interrompê-la assim.”
Deu para notar, claramente, que eu sou contra o aborto, não é?
Acho que Kazuko entendeu que se ela engravidasse dez vezes, terias os dez filhos. Não permitiria que abortasse.
Já vi muitos casos parecidos com de Yoko. Abortaram antes e depois ficavam sofrendo na tentativa.
É melhor não brincar com o destino e com a sorte. Eles podem não querer colaborar de novo.
Não fazia ideia de que ele pensava assim. Sinto-me bem sabendo que levou em conta os três lados da situação.
Um silêncio se fez, não tinha o que responder. Depois, soltei:
–Entendo. Não seria uma coisa boa matar essa criança.
Makoto sorriu e me abraçou, de forma bem parecida daquele dia lá na estrada, quando víamos toda a cidade do alto. Entramos em seguida.
Durante o resto da festa fiquei junta a Makoto, apenas acompanhando a conversa dele com seu chefe. Dava para perceber que elas eram bem amigos.
Uma mulher prestava muita atenção onde estávamos, e a todo momento olhava para Makoto. E Makoto também trocava olhares com ela. Acabou indo falar com ela e não tive como não perguntar para Yuuki:
–Quem é essa?
–É Kobayashi Kana, amiga da minha esposa. E se não me engano, ela e Makoto já namoraram.
Isso é um mau sinal. “Pode ser que tenha que dormir sozinha hoje”, pensei.
Pude ver que a conversa era bem íntima. Isto poderia me causar problemas. Aliás, o que não poderia me causar problemas pelo simples fato de ser escrava?”.
Permitam-me explicar está última observação da Kazuko. Afinal, por que tudo é problema para uma escrava?
É justamente por ser uma posição de impotência e risco constante.
Se uma escrava engravida: problema.
Se uma escrava se rebela: problema.
Posso ficar aqui citando várias situações, mas o que Kazuko quis dizer é que aquela mulher com a qual eu conversava poderia lhe causar problemas.
Quando o dono se relaciona, a escrava corre o risco de ficar de lado, esquecida. Isso, de certo ponto de vista, é ruim. O dever da escrava é satisfazer o dono. Porém, se o dono já tem um outro alguém para isso, pode acontecer a alforria do escravo. Isso é bom! Só que considerando o fato de que alguns largam os estudos, como vão seguir a vida?
É algo, inclusive, bem relativo. Cada um pensa de um jeito. Então, levarei em conta o que minha própria esposa disse: “Eu me sinto vulnerável”. Se sente desesperada e com medo de qualquer coisa que acontecer.
Makoto ficou um bom tempo conversando com ela. Após isso, cantaram o parabéns e cortaram o bolo. Voltamos para casa.
Ao chegarmos, tomei um banho, Makoto também. E fez algo bem fora do padrão dele depois disso. Agarrou-me e atirou-me na cama. Despiu-me e fez umas preliminares bem básicas e penetrou. Assim, seco e grosso!
Foi um sexo básico e sem graça. Ele só queria descarregar. Obviamente porque viu a ex e deve ter fantasiado com ela. Ficou mais claro ainda quando balbuciou o nome dela antes de gozar.”
Eu nem me lembro disso. Que merda! (risos)
Com outro sussurro ao nome dela foi ao lado vazio da cama.
Eu me senti péssima. Tudo bem que nunca foi algo que me completasse. Sempre sinto um vazio quando as transas acabam. Só que nessa hora, o vazio foi bem maior.
Normalmente, eu me sinto um objeto. Mas ao ouvir o nome de outra pessoa, piora essa situação.
É muito complicado de explicar!
Olhei para o teto escuro, com uma enorme vontade de chorar. Não queria que ele me visse! Levantei e caminhava a porta do quarto. As lágrimas começavam a escorrer. Makoto me chamou.
–Kazuko, aonde você vai? - falou, pegando no meu braço e então, percebeu – Espera aí! Tá chorando?
–Não é nada, Makoto. Só preciso ficar sozinha.
–Vem cá!
Tentei protestar, mas ele me alojou em seu peito, me abraçando. Começou a acariciar meus cabelos e foi aí que eu realmente desabei.
Ele não falou nada, não perguntou nada. Só permitiu que eu chorasse em seu ombro.
Quando eu me acalmei, voltamos a nos deitar. Makoto me obrigou a dormir sob o seu peitoral. Por que ele está com essas atitudes agora?
Esperei ele cair no sono e dei uma escapada para escrever aqui. Eu precisava colocar o que sentia para fora. E o único lugar possível é aqui.
Agora partirei, pois preciso dormir. E também ele não pode perceber que eu fugi. (risos)”
Kazuko entrou no quarto e me chamou para ficar com ela e Keiko lá na sala.
–Você tá muito isolado. - foi o que ela disse

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Ascensão de uma Scarlet

Dia 30 de Novembro de 1955, Isadora Scarlet, esposa de Duran Scarlet, que estava grávida, entrou em trabalho de parto. O marido chamou a parteira e esta ajudou sua esposa. Algumas horas depois, Isadora finalmente deu a luz a uma menina. O Sr. Scarlet foi verificar como estava a esposa e também a sua filha:

Querida, tudo bem? Você deve estar cansada.

Só um pouco.

Sr. e Sra. Scarlet, aqui está a criança. - disse a parteira, depois de limpar o bebê

Ela é linda, Isadora. Se parece com você!

Ah, querido, ela tem os seus olhos.

Qual será o nome dela? - perguntou a parteira

Amélia. - se pronunciou – Amélia Scarlet.

Assim, a vida da menina começou.

Passados alguns anos, Isadora adoeceu e faleceu. Duran passou a cuidar da filha sozinho desde então. Acabou mimando-a para tentar suprir a falta da esposa.

Amélia crescia se mostrando uma menina inteligente e independente. Parecia-se mais com a mãe a cada dia que passava.

Numa noite, a menina brincava em seu quarto, sozinha, como sempre. O pai apareceu e tinha uma outra pessoa com ela.

Filha, há uma pessoa que eu quero lhe apresentar. Este é meu amigo: Cinna Hildrum. Cinna, esta é minha filha: Amélia.

É um prazer, senhor.

O prazer é todo meu, senhorita.

Cinna aparentava ser de meia idade, talvez até um pouco mais velho que seu pai. Porém, a garota notou que tinha alguma coisa estranha nele. A cor de sua pele era a mais pálida que já vira e os olhos dele. Tinha algo místico naqueles olhos. Cinna não era uma pessoa normal, ela tinha certeza disso.

Não comentou nada com ninguém, achou que fosse só coisa da cabeça dela.

Os anos foram passando e a jovem crescia. Continuou os estudos e no ano em que se formaria, seu pai adoeceu.

Duran Scarlet pirou de repente, sem qualquer explicação lógica. Definhava cada vez mais. Os médicos tiraram quaisquer esperanças de melhora para ele.

Quando Cinna soube da situação foi imediatamente a mansão dos Scarlet para ver o amigo.

Cinna! - disse Duran, sofrendo

Duran, meu amigo. Assim que o soube o que está acontecendo, vim o mais rápido que pude.

Eu não tenho muito tempo de vida restando.

Não diga isso. Você sabe bem que eu posso resolver essa situação. Basta aceitar “O abraço”.

Eu já lhe disse que não quero. É uma maneira egoísta de me livrar disto.

Egoísta como? Vai deixar a sua filha sozinha? Ela já não tem mãe e também ficará sem pai.

Ela tem que entender que eu não durarei para sempre, nem ela mesma durara para sempre.

Não ensinou nada a ela sobre o legado de sua família. Quem vai cuidar da sua empresa?

Eu tenho empregados para isso. Minha filha tem é arrumar um bom partido e se casar.

Duran, estamos na década de 70. As mulheres não são mais apenas donas de casa. E pelas cartas que me manda, Amélia merece e consegue algo bem melhor do que isso.

E o que uma mulher poderia fazer?

Bastante coisa! Já vi muita coisa nessa minha eternidade que você jamais entenderia. Eu já presenciei, inclusive, mulheres lutando em guerras.

Prometa uma coisa para mim, Cinna!

Pode dizer.

Que você cuidará da Amélia por mim.

Claro. Eu prometo!

Chame a minha filha aqui! - ordenou Duran a um empregado

Passados alguns minutos, ela chega, cumprimenta Cinna e depois se dirige ao pai.

Papai! Me chamaram urgente. O que houve?

Filha, eu não tenho muito tempo. Eu preciso te falar uma coisa.

É sobre o que você tem? Algum médico disse alguma coisa?

Sim e não. Essa doença que eu tenho é um “mal de família”. Meu avó morreu disso e meu pai também. O mesmo acontecera com você. Ainda não descobriu-se a causa, só sei que os órgãos começam a falham e morremos em questão de dias. Não posso afirmar quando isto acontecerá com você, mas vai. E tem que estar preparada.

E ninguém pode te ajudar?

Na verdade, a única pessoa que poderia está bem do seu lado. Só que, eu não quero a ajuda dele.

E o que será de mim sem você, papai? Já perdi a mamãe e agora você. - começou a chorar

Cinna cuidará de você. Ajudará no que precisar. - tomou fôlego – Termine seus estudos, arrume um marido e seja feliz, filha. Eu te amo!

Duran Scarlet fez um último carinho no rosto da filha antes de morrer. A garota ficou inconsolável, chorou alguns minutos debruçada sob a cama. No enterro de seu pai, ela recebeu muitos abraços e consolos de outros parentes e de amigos.

Cinna mudou-se para a mansão Scarlet e passou a cumprir sua promessa, porém Amélia não estava se cuidando muito bem. Ela entrou em depressão.

Todos os seus dias eram de grande sofrimento. Era horrível acordar todos os dias e ter que ir ao colégio. Sua sorte era que aquilo acabaria.

As poucas amigas que ela tinha até tentavam animá-la, contudo não adiantava.

Amélia passava seus dias lendo bastante e isolada.

Ela e Cinna quase não conversavam, apenas faziam isso na hora do jantar. Ou pelo menos, Cinna tentava conversar com ela.

Então, Amélia, como o seu dia no colégio?

Foi normal. Eu tive as mesmas aulas chatas de matemática.

Não se preocupe, logo isso vai acabar. Mas, o que vai querer fazer depois?

Ora, eu não sei. Acho que morrer seria a melhor opção.

Não diga isso, você é tão jovem e tem muita coisa para viver ainda.

Até definhar de uma causa desconhecida e sem aviso prévio. Ah sim, muita coisa.

Todos nós temos data de validade, aproveite a vida antes dela acabar.

Aproveitar o que? Eu só tinha o meu pai, agora não tenho mais nada.

Claro que tem! Tem todas essas pessoas que vivem junto de você, inclusive eu.

Mas, não são pessoas com quem eu posso falar o que está preso em mim. - levantou-se da mesa – Eu já terminei. Com licença!

Esta foi a maior conversa que já tiveram. Na maioria das vezes, a garota era monossilábica.

A jovem também passou a prestar atenção em Cinna. Ela notou que ele sempre se levantava após o pôr-do-sol. Os novos empregados, que vieram para a mansão junto com ele, apareciam com marcas de mordidas estranhas. Ainda tinha o detalhe da palidez e os olhos que ela notara ainda criança. Antes acreditava fielmente que era só coisa da cabeça dela, porém estas novas evidências apontavam que não era apenas uma cisma.

Novamente, ela não comentou com ninguém. Afinal, não tinha com quem fazer isso.

Em seu 18º aniversário, fez uma festa de aniversário somente com as amigas. Ela conseguiu esquecer um pouco os problemas ao se divertir. Elas saíram pouco antes de escurecer.

Amélia ficou admirando os seus presentes, agora meio indiferente. Cinna apareceu.

Feliz aniversário, Amélia! Um pouco atrasado, mas aqui está o seu presente.

Ah, obrigada, Cinna.

A jovem começou a abrir o embrulho.

Um caderno, Cinna? Para que isso?

É o “alguém” para você conversar. Um diário. Escreva nele quando tiver vontade. Acho que você deve ter muito coisa trancada ai dentro. - terminou apontando para o coração dela

Obrigada, Cinna! - ela falou sinceramente abraçando o caderno.

Assim, mais tempo se passou. A menina se formara no colégio e passou a ficar apenas na mansão e via as amigas de vez em quando. As únicas coisas a que se dedicava eram ler e escrever em seu diário. Ela descobriu o quanto era bom poder colocar aquilo o que estava nela para fora, mesmo que o diário não fosse lido por ninguém além dela. Sua depressão melhorou bastante nesse meio tempo, porém não por completo. Amélia precisava de um sentimento bem mais poderoso para se livrar da tristeza de ser órfã.

E ela teria isso em breve.

***

Mais de um ano se passou. Amélia agora tinha 19 anos e era alguém sem perspectiva alguma para sua vida. Talvez realmente seguisse o conselho de seu pai e se casaria.

Era a data do aniversário de Cinna e ele resolveu fazer uma festa com alguns convidados. A mansão Scarlet estava bem mais cheia do que o normal.

Outra coisa que Amélia aprendeu com a depressão foi a detestar locais cheios. Aquele barulho e aquela gente toda a estavam irritando. Ela gostava do silêncio e de que sua mente borbulhasse. Além disso, todos eles tinham a mesma aparência estranha do aniversariante.

A garota ficara isolada num canto apenas devaniando, pensando no que supostamente escreveria no diário mais tarde. E novamente, Cinna veio apresentar algum conhecido seu para ela.

Amélia, este aqui é meu amigo de longa data William. William, esta é a senhorita Scarlet.

É um prazer, senhorita!

A jovem fez a reverência devida e outra pessoa lhe foi apresentada, desta vez por William.

Este é o Sr. Drake, meu aprendiz.

Prazer, senhorita. Pode me chamar me Mark, que é o meu primeiro nome, eu detesto formalidades.

Se é assim, me chame de Amélia. - respondeu com um sorriso

Ela percebeu algo de diferente em Mark. Ele não tinha a pele pálida e nem o olhar meio sombrio, só era um rapaz um pouco mais velho que ela e também muito bonito.

Vamos deixar os dois sozinhos, Cinna. Melhor se acostumarem com a companhia um do outro, afinal, ficaremos por aqui uns dias.

Mark e Amélia sentaram-se no sofá daquele canto do salão e conversaram.

Não fazia ideia de que ficaria alguns dias por aqui.

Pois é, meu mestre tem que resolver algumas coisas com o seu.

Cinna não é meu mestre, Mark.

O que Cinna é então?

Tutor. Ele cuida de mim desde que meu pai morreu.

Órfã? Eu sou também!

Perdeu seus pais muito cedo?

Na verdade, nunca os conheci. Desde que me lembro vivi em um orfanato, então o William me encontrou e começou a me treinar. Eu cuido de umas coisas para ele.

Interessante. Eu não tenho nenhuma habilidade impressionante que nem você, sou só uma jovem rica e mimada.

Eu não vejo só isso. Tenho certeza de que sabe fazer algo.

Se ler for esse “algo” que você diz.

Ler é bom! Pena que eu não tenho tempo para tal. Quantos já leste?

Talvez uns duzentos, eu não conto esse tipo de coisa.

E o que você lê exatamente?

Depende. Romances, científicos, poesia.

Quem sabe você não me fale um pouco sobre eles durante estes dias em que estarei aqui. Teremos bastante tempo para conversar na ausência do meu mestre e do seu tutor.

Sim! Eles tem esses hábitos noturnos que eu não entendo.

Um dia entenderemos, sem dúvida.

E a conversa deles continuou, se conheceram um pouco mais naquela noite. Foram dormir antes do resto dos convidados, afinal, eles ainda eram humanos.

No dia seguinte, encontraram-se para comer a mesa.

Tem muito tempo que eu não tenho companhia no café da manhã.

Isso é uma coisa boa, não é?

É sim!

Pelo que parece você passa o dia todo sozinha não é?

Isso mesmo, só vejo o Cinna a noite. E os empregados estão sempre muito ocupados para conversarem comigo.

Isso justifica os seus mais de duzentos livros lidos. É só isso o que você faz o dia todo aqui?

Não! Coordeno a casa na ausência do Cinna e eu escrevo também.

Escreve?

É só um diário! A única “pessoa” que me dá ouvidos nessa mansão.

Deve ser bem pessoal, talvez não deixe eu ler.

Quem sabe... - ela fez uma careta

Quer ir um pouco lá fora quando terminarmos de comer?

Claro!

Acabaram de comer e fizeram o que combinaram.

Não me lembrava que este jardim era tão bonito. - comentou Amélia – Venho pouco aqui!

Deveria vir mais. É um ótimo lugar para se inspirar quando se vai escrever.

Eu não sou escritora, Mark.

Mas tem “cara de”. Por que não tenta escrever um livro?

Sobre o quê? Eu não vivi muita coisa.

Sei lá. Qualquer coisa. Deixe acontecer.

Vou pensar melhor sobre isso.

Faça isso mesmo. - falou sorrindo

Amélia olhou para o céu limpo daquela manhã e disse:

O que nós faremos até anoitecer e eles acordarem?

Podemos fazer qualquer coisa. - respondeu com um olhar malicioso

O que está insinuando em? - deu um tapa de leve no ombro dele – Não sou dessas coisas.

Pensou exatamente do jeito que eu previ.

Como é que é?

Isso mesmo. Quer dizer que se interessou por mim.

Como pode ser tão descarado?! - gritou, ficando vermelha

Eu sou sincero, o que é algo bem diferente. - aproximou-se do rosto dela – E eu estou da mesma forma por você.

Não vamos precipitar as coisas então. - ela admitiu

Concordo!

Vamos lá para a biblioteca. Vou indicar um livro para você ler.

Eles passaram o resto da manhã na biblioteca, que foi tempo suficiente para Mark ler o livro que lhe foi indicado. Após o almoço, ele acabou lendo mais um.

Até que você lê rápido.

Eu tenho minhas habilidades. - ele olhou o livro que ela lia – Enquanto o seu ainda nem acabou.

Esse é mais difícil. Também não gosto de ler depressa, prefiro desfrutar da história ao máximo.

Um empregado entrou no recinto e avisou que Cinna e William acordaram e esperavam os dois para o jantar. Os dois jovens se dirigiram para o salão de jantar e os dois vampiros os esperavam.

Ora, Mark, Amélia, como foi o dia de vocês?

Muito bem! Nos divertimos e conversamos bastante.

Os empregados disseram que passaram maior parte do dia na biblioteca lendo. - soltou William – Como conversaram assim?

Eles só contaram o que viram. - respondeu Mark

Amélia está com um sorriso que eu nunca vi antes. É bom te ver assim!

Obrigada, Cinna!

Jantaram. O resto da noite se passou com os quatro se divertindo com jogos de adivinhação. Mark era expressivamente bem melhor nesse tipo de coisa.

O relógio indicou que era hora dos mais novos dormirem. Eles subiram juntos. Mark despedira-se de Amélia na porta do quarto dela.

Nos vemos amanhã. - e lhe deu um beijo na testa – Boa noite!

Boa noite! - ela respondeu sorrindo

Pela primeira vez em sua vida, Amélia sentiu seu coração acelerar. E estranhamente, ela gostava daquela sensação. Não conseguia se conter de ter que esperar até o dia seguinte.

E os dias foram se passando e aqueles dois se conheciam cada vez mais e o encanto que tinham um pelo outro aumentava. Amélia contava todas as histórias dos livros que lia, enquanto Mark contava alguns dos trabalhos que realizou para o seu mestre.

Era o último dia dos dois juntos, muitos sentimentos tinham se construído e nada havia acontecido entre eles. Amélia finalmente teve coragem e mostrou para ele o seu diário, onde habitavam os seus pensamentos e sentimentos mais secretos.

Foram ao quarto da garota e ela lhe deu o diário, muito receosa ainda, mas entregou a ele mesmo assim, já estava na hora de alguém ler aquilo.

Ela ficou sentada na cama lendo outro livro enquanto ele devorava o diário. Quando finalmente leu tudo, inclusive anotações onde ela falava o que pensava dele, fechou o caderno, se dirigiu a ela e falou:

Eu disse que você tinha cara de escritora. Gostei de ler o seu diário e compreendo que deve ter sido difícil me dar esse voto de confiança e me deixar ler, afinal, é um diário não é?

Obrigada! - ela não tinha onde esconder o rosto

Ainda mais o que disse sobre mim.

Acho que você está fazendo minha depressão ir embora. É o meu agradecimento por isso!

Ler o diário ou ter se apaixonado por mim?

As duas coisas. - abaixou o olhar, não conseguia encará-lo

Ele pegou o queixo dela com uma das mãos e beijou-a. Um beijo que demorou dias para acontecer e que eles esperaram ansiosamente. O beijo foi tão intenso que eles acabaram deitados na cama. Os lábios se separaram. Ele colocou uma mecha do cabelo dela atrás da orelha. A garota falou:

Posso te pedir outra coisa?

O que, Amélia?

Tire a minha virgindade. Eu quero que seja com você.

Se esse é o seu desejo, eu atenderei.

E não tenha pressa, nós temos tempo suficiente. E... a porta está trancada.

Beijaram-se de novo e mais uma vez e mais outra. Todos aqueles beijos resultaram nas roupas arrancadas, os dois nus na cama, prontos para o ato.

Mark penetrou bem devagar e Amélia gemia por conta da dor. Ela se agarrou nas costas dele e arfava, até que seu hímem se rompeu. Primeiro fora a dor, depois o prazer.

O garoto fez movimentos de vai e vem, suavemente, seguindo pelo baixos sons emitidos por ela. Ele foi aumentando a velocidade entre um beijo e outro. Demorou alguns minutos até que ele finalmente gozou.

Porém, nenhum deles ficou satisfeito só com aquela vez. Na sequência dessa, fizeram mais umas três.

E ficaram abraçados na cama se recuperando do esforço. Depois de tantos dias, eles não tinham mais o que conversar. As respirações descompassadas e os toques foram as suas conversas naquele momento.

Eu espero não ter te machucado. - Mark comentou

Estou bem. Sério!

Se eu pudesse não iria embora amanhã, ficaria aqui com você. Mas eu tenho um outro trabalho.

E se eu pudesse iria com você. - ela sorriu – Mas o Cinna me trancafia nessa mansão. Pelo menos foi bom passar estes dias com você.

E não falaram mais nada. Apenas adormeceram após o ato. Prometeram um ao outro não contar o que ocorreu naquela tarde a ninguém.

Na mesma noite, Mark e Wiliam foram embora. Os velhos amigos se despediram e os dois jovens também.

Espero que nos encontremos de novo, Mark.

Eu também, Amélia.

Foi um abraço com um tom de beijo que eles não poderiam dar na frente de seus mentores.

Eles até se veriam de novo, mas só dali há muitos anos e nem estariam do mesmo jeito.

***

Meses se passaram. O amor que Amélia descobriu sentir por Mark a deu um outro ar na vida. E ela seguiu o conselho do rapaz: escreveu um livro. Era sobre aqueles dias que passou com ele. Relembrou de tudo aquilo em pouco mais de um mês. Porém, tinha vergonha de mostrar seus manuscritos, guardou-os e começou outra coisa.

Numa semana ocorreu uma virada brusca no tempo e a garota adoeceu de repente, começando a definhar na cama assim como aconteceu com seu pai.

Cinna a visitava todas as noites e via que a cada dia mais ela piorava. Chamaram médicos para examiná-la, porém nenhum obteve sucesso. Cinna sabia bem a causa: a tal “doença de família” dos Scarlet.

Ele sofria vendo aquela menina, tão jovem, com tanta coisa para viver ainda, morrer lentamente dessa forma. Ele tinha uma solução para aquilo.

Conversou com o seu clã, a Camarilla, e disse que a garota tinha um grande potencial no futuro e lhe concederam o direito de transformar a garota. Só havia um problema: Será que ela iria querer?

Passava da meia-noite e era a data do 20º aniversário de Amélia. Cinna foi ao quarto:

Amélia, feliz aniversário! Vim aqui para falar uma coisa séria com você.

Obrigada, Cinna. Não dá para comemorar meu aniversário assim. É a mesma coisa que meu pai teve não é?

Segundo o que eu suponho: Sim. E vim aqui te oferecer uma solução para isso.

E o que seria? - ela se lembrou – Aquilo que ofereceu ao meu pai?

Exatamente. Só te explicarei algumas coisas antes. - ele se ajeitou ao lado dela na cama, sentando na ponta – Você já deve saber, mas eu sou um vampiro tem mais de 300 anos.

Por isso os hábitos noturnos e os empregados com mordidas estranhas por aí. Realmente pensei que fosse isso. - ela sorriu, um bocado fraca

Então, eu falei com meu clã: Camarilla. Eu menti um pouco acerca do seu potencial para ajudá-los, mas não é nada que eu não possa resolver te treinando.

Ajudar no que?

Na nossa eterna luta contra os sabás. Os vampiros mais descontrolados que existem. Não medem esforços para causar o caos. - respirou fundo – Deixe eu ir direto ao assunto: Você quer se livrar desse problema que é a sua doença de família? Virar uma vampira e viver por toda a eternidade? Ia dizer que veria quem você mais ama morrer, mas isso já aconteceu a você. No caso, poderá manter o legado de sua família. Então, aceita “o abraço”?

Aceito, Cinna!

Certo. Faça o que eu disser, isso doerá um pouco.

Cinna colocou os seus caninos grandes para fora e mordeu, sem hesitar, o pescoço de Amélia. Ela deu um grito pela dor. O vampiro começara a conversão da garota. Sugou praticamente todo o sangue dela, deixando-a em um estado mais enfraquecido do que já estava, contudo era um mal necessário.

Amélia sentiu suas poucas forças se esvaindo. Seus olhos estavam cada vez mais pesados e ela se esforçava para não desmaiar. Sentia-se morrendo.

Cinna soltou o pescoço da jovem e cortou o próprio pulso, colocando próximo da boca dela e ordenando:

Beba o sangue que escorre do meu pulso.

Assim como ele mandou, ela fez. Ficou uns trinta segundos sugando aquele sangue, com os olhos fechados. A pouca força que estava se transformou em muita e ela abriu os olhos pela primeira vez depois da transformação. Eles estavam semelhantes aos de Cinna, com aquela profundidade misteriosa.

Sentiu aquela força nova se espalhar por seu corpo e caiu na cama. Encontrava-se bem melhor e renascida.

Seja bem-vinda, querida. Como se sente?

Melhor do que nunca estive!

Renascer é bom, não é?

Acho que sim!

Ainda me lembro como aconteceu comigo.

E como foi?

É uma longa história, tenho a eternidade para te contar isso. Alias, tenho muitas outras coisas para te contar. Só que primeiro deve estar com fome. Vamos alimentar você!

Ele chamou uma das empregadas ao quarto e ensinou Amélia a se alimentar.

Obviamente, vai morder o pescoço dela. Não chupe o sangue todo, senão a matará. Se sacie apenas.

A mulher parecia meio aérea no quarto.

E porque ela está assim?

Arte da dominação. Eu te ensinarei isso. Usada para controlar os mortais e se alimentar deles sem que eles sem lembrem de nada. Por isso que ninguém nessa casa suspeitava de mim e nem suspeitará de você agora. - ele sorriu maliciosamente – Vamos! Alimente-se! Sacie-se!

Ela colocou os caninos para fora e mordeu o pescoço da mulher de meia idade com vontade. Alimentou-se até que ela desmaiou, depois solta-a.

Muito bem! Aprendeu rápido! Ajeite ela na cama e saia daí. Troque-se. Comemoraremos o seu aniversário e também renascimento. Esperar-te-ei lá em baixo.

Cinna saiu do recinto. Amélia arrancou a camisola. E impressionou de ver seu reflexo no espelho. Mesmo ela se tornando vampira, conseguia se ver no espelho? Os livros erraram em algumas coisas.

Observou, seminua, como seu corpo estava. De uma certa maneira ele estava mais curvilíneo e seus seios pareciam mais arrebitados. Observou melhor sua face e percebeu aquele olhar que lhe incomodou por anos. Gostou de como ficou com aquilo. O resto de suas feições estavam como sempre foram. Limpou o resto de sangue da boca e, colocando-os para fora, atentou-se aos seus caninos. Eram a afiados e compridos. Mas não teve medo e nem se assustou. Eram dela. Tudo aquilo era dela.

Encostou a mão no peito e não sentiu nada, isso a incomodou um pouco. Com certeza sentiria falta do seu coração bater, ainda mais quando reencontrasse aquele que a livrou da depressão.

Ela colocou um vestido vermelho, o mesmo que usou no aniversário de Cinna e quando conheceu Mark. Será que ele se transformara também? Só o tempo a responderia.

Passou sua primeira noite como vampira com Cinna lhe contando todos os princípios do clã e de tudo o que ele a ensinaria a fazer. Seu treinamento começaria na noite seguinte.

Estava perto da hora de amanhecer e Cinna falou:

Está na hora de deitarmos.

Acho que essa será a parte que eu menos gostarei. Ter que dormir durante o dia e acordar só a noite.

Também não gostava muito, mas eu me acostumei. Com certeza irá se acostumar também.

Subiram a escada. Cinna se despediu dela.

Tenha um bom dia de sono. - riu – Uma nova vida começa para você a partir de hoje. Aproveite a sua eternidade.

Obrigada, Cinna!

Amélia entrou no quarto e a empregada que foi sua primeira refeição não estava mais lá, despertara e saíra do quarto. A nova vampira deitou-se, demorou um pouco a pegar no sono e foi capaz de ver os primeiros raios de sol saindo por baixo da cortina grossa que Cinna mandou colocar em seu quarto.

Nas semanas que se seguiram, em todas as noites, Cinna treinou a jovem vampira. Ensinou-lhe as artes da dominação, sedução, sentidos aguçados e até uso de fogo. Também ensinou a garota alguns golpes de luta, fossem elas corpo-a-corpo, de espadas ou até com armas de fogo.

Foi mais de um ano de treinamento até que Cinna declarasse que ela estava pronta para trabalhar em prol do clã Camarilla.

E como ela era mulher, obviamente que para sua primeira missão seria necessário ela usar de seus artifícios femininos.

Sua missão seria seduzir um dos sabás numa festa, este seria preso e interrogado. Para ela não interessavam os motivos, apenas tinha que cumprir a sua parte.

Chegou a festa e todos se voltaram para ela, realmente chamara muita atenção. Normalmente, ela ficaria irritada com aquilo, mas ela estava dentro de sua personagem. Imediatamente, o tal sabá se aproximou dela. Passaram um tempo conversando, até que subiram para um lugar mais reservado.

O outro vampiro achava que ela era uma simples humana, mas se deixou enganar pelas aparências e trejeitos da garota. Assim, a missão foi bem sucedida.

***

Os anos foram passando e Amélia realizava muitas outras coisas para o clã que entrara. Nunca deixou de escrever seus livros. Já tinha terminado uns dez. Um destes, inclusive, era inspirado em suas aventuras como uma vampira recém-nascida.

Passaram-se pouco mais de trinta anos desde então. A época eram os anos 2000.

Em mais uma noite, Amélia e Cinna estavam sentados no sofá da sala. Ele lia e ela escrevia. Cinna puxou assunto:

Afinal, Amélia, o que você tanto escreve? Desde de que te dei aquele diário você não parou mais.

Eu escrevo sobre as minhas missões e também criei coisas inspiradas nos muitos outros livros que eu li.

Queria ter a chance de ler um desses. - sorriu

Não seja por isso. - pegou um caderno ao seu lado e entregou a ela – Faça as honras.

Era sobre um investigador que tinha vários casos a resolver, este não era nem um pouco inspirado em Mark.

A noite seguiu em silêncio. Ela prosseguiu escrevendo e Cinna devorava o caderno, distraído. Amélia que teve que chamá-lo:

Cinna, está na hora. Faltam alguns minutos para o amanhecer.

Por que isso é tão bom? Simplesmente não consegui parar de ler por cinco horas seguidas.

Não acho que seja tão bom assim, Cinna.

Como não? Eu já estou quase no final disso. - mostrou quantas páginas faltavam

Nossa! - ela se chocou

Você tem que lançar este livro. Ele não pode ficar trancado por toda a eternidade neste caderno.

Calma, Cinna. Esqueceu que eu não sou uma pessoa normal. Não posso me lançar como escritora, eu tenho que preservar a minha identidade.

Quando eu te disse preservar a identidade é o fato de você ser vampiresca. É possível viver no meio de humanos, fazendo coisas que eles fazem.

Entendi. Então, desta forma, eu vou pensar sobre isso. Pode levar o caderno com você para terminar. - respondeu num sorriso – Tenha um bom dia de sono, Cinna.

Você também, durma bem!

Ela subiu carregando os cadernos, entrou em seu quarto e colocou-os na escrivaninha.

Puxou a primeira gaveta e pegou um caderno velho, o do primeiro livro que escreveu, quando ainda era humana. O título dizia: “A preciosa semana”.

Sempre lia aquilo quando tinha vontade e se lembrava com carinho de Mark. Os mais de trinta anos mudaram os seus sentimentos, mas eles ficaram mais profundos. Passou de paixão a um amor platônico. Provavelmente Mark era um idoso agora, isso se ainda estivesse vivo. Ela ainda tinha secretamente esperanças de reencontrá-lo.

Abraçou a caderno e o pôs de volta em seu lugar. Trocou de roupa e deitou-se.

Cinna falou com um de seus contatos e ajudou a sua pupila a publicar o livro que ele lera. Ele gostara além do esperado, tinha séculos que não lia algo tão bom.

A garota teve que reeditar o livro digitalmente e como ele era um bocado grande, levou um tempo para tal.

Todos os processos aconteceram e no final de 2009 ela lançava “O caçador”.

Por recomendação de Cinna, ela mentiu a idade dizendo que tinha meros 16 anos.

O livro foi um enorme sucesso e ela lançou mais dois: “A força das palavras” e “A filha do Sangue”.

Sendo agora um rosto conhecido, Amélia tinha uma serventia diferente para os Camarilla. Então, continuou com algumas coisas por baixo dos panos enquanto cuidava da carreira de escritora.

***

No ano de 2013, pouco mais de um ano depois do lançamento do último livro, a jovem vampira concedia uma entrevista para a televisão.

Então, quando será o lançamento do próximo livro?

Eu não tenho previsão disso.

Sério? Não tem mesmo nenhum livro na gaveta? Nenhum que esteja escrevendo?

Quem me conhece sabe que eu não escrevo um livro de cada vez, são todos eles ao mesmo tempo.

Mas não tem nada?

Somente então, se recordou.

Na verdade, eu tenho um sim. Foi o primeiro que eu escrevi e nunca mostrei a ninguém.

Olha só, uma notícia em primeira mão da grande Amélia Scarlet. Sobre o que é este?

Sobre dois jovens que passam uma semana na companhia um do outro e se conhecendo.

Um romance? Não sabia que era romancista, Srta. Scarlet.

E ambas riram. A entrevista aconteceu até o final.

Ela acabara de revelar o seu maior segredo depois do seu diário: o livro que escreveu sobre ela e Mark. Obviamente, Cinna perguntou sobre isso na noite seguinte. Ela apenas foi a seu quarto, pegou o velho caderno e entregou a seu mentor.

Ora, isso é velho em. A preciosa semana... - ele ficou perplexo ao ver a data – De 1974? Isso é de antes do seu renascimento.

Eu sei, Cinna. Você é o primeiro a ler isso, como todos os outros que te mostrei. Você deve acabar bem rápido, a história é bem mais simples do que a dos outros.

Se você diz.

Bem, eu vou ler um pouco na biblioteca.

A vampira não conseguia se concentrar na leitura, o pensamento de que Cinna finalmente descobriria o que aconteceu entre ela e Mark há muitos anos não parava de perturbá-la. Tinha que se preparar mentalmente para aquilo.

E conforme ela disse aconteceu, Cinna apareceu com o caderno na mão.

Então, o que achou? - perguntou tentando mostra indiferença

O livro é excelente como os outros, tem uma proposta diferente dos outros que lançou até agora.

E o que seria?

Ele tem uma história menos complexa, porém muito cativante. E tem outra coisa... - ele se sentou diante dela – Os personagens dessa história são você e o Mark, o pupilo do meu amigo William?

Somos nós sim!

E aconteceu tudo isso que está escrito aqui? Inclusive “aquela tarde”?

Sim, Cinna! Todas as linhas escritas ai realmente aconteceram.

Conseguiu me esconder isso durante todos esses anos, safada.

Isso não interessa mais, talvez ele nem esteja mais vivo. Isso é de antes de eu ser vampiresca. Então, livro aprovado ou não?

Claro que está aprovado! Pode começar a revisá-lo como faz no computador e eu resolvo as outras coisas.

***

Todos procedimentos foram feitos e finalmente “A preciosa semana” teria seu lançamento. Por sugestão de Cinna, a vampira escritora decidiu que a noite de lançamento seria em Portugal, em uma bela mansão.

Era mais uma noite de autógrafos como qualquer outra. Ela leu alguns capítulos do livro e falou com seus fãs e partiu para a sua mesa para começar as milhares de assinaturas.

Tudo corria normalmente, ela deixava as dedicatórias para cada uma das pessoas que diziam seus nomes. Mais uma pessoa veio e ela não olhou para o rosto da tal, apenas perguntou:

Qual seu nome?

Mark Drake!

Foi então que Amélia direcionou seu olhar para cima e viu quem era. Ele não havia mudado praticamente nada do que se lembrava. Só estava vestido com trajes típicos de um motoqueiro, um pouco mais barbudo e também tinha aquele olhar vampiresco que ela já sabia reconhecer.

Você não mudou nada, Amélia.

E nem você, Mark. - respondeu com um sorriso

Ela terminou de autografar e estendeu o livro para ele.

Aqui. Eu espero que a leitura lhe agrade. Foi bom ver você!

Obrigado! E tem mais duas coisas também. - pegou o livro e lhe deu outro – Autografa meu exemplar de “O Caçador”?

Claro! Nossa, pelo que parece ele já foi lido algumas vezes.

Pelo menos umas vinte vezes. - comentou rindo

Amélia riu também e assinou o livro da mesma forma que fez com outro.

Aqui. E qual é a segunda coisa? - ela indagou

Precisamos colocar nossa conversa em dia... - ela tossiu em falso – Quero dizer, vamos sair depois daqui?

Sim! - falou com um outro sorriso

Mark saiu e foi para um outro canto, com um senhor que Amélia sabia bem quem era: William.

Se ela ainda tivesse um coração que batesse, com certeza ele teria acelerado com esse reencontro. Podem ter se passado cerca de quarenta anos, mas ela ainda nutria sentimento pelo, recém-descoberto por ela, também vampiro.

Sabe-se que vampiros não tem sentimentos, mas aquilo não eram sentimentos da Amélia vampira, mas sim da Amélia humana, que se fosse viva, já seria bem idosa.

Ela terminou a sessão de autógrafos e retornou a se encontrar com Cinna. Ele estava na companhia de William e Mark.

Olha ela ai! - comentou William

Quanto tempo, Sr. William. É bom revê-lo.

Igualmente, Srta. Scarlet. - ele baixou o tom de voz – E se tornou ainda mais bonita entrando para a nossa raça.

Agora, senhores, com sua licença, eu levarei esta dama para dar uma volta.

Pode ir. Não precisa da minha permissão. - disse Cinna

Então, os dois vampiros mais novos saíram. Do lado de fora da mansão Mark deixara sua moto.

Nossa, que linda. É sua?

Sim! - pegou um capacete para ele e deu outro a ela – Vem, senta na garupa. Alias, aonde vamos?

Como eu sou famosa agora, não pode ser nenhum lugar público. Quer tal irmos ao hotel onde estou hospedada?

É uma boa pedida. Vai ser melhor para conversarmos sem todos esses holofotes.

Subiram na moto e seguiram viagem até o hotel. O céu noturno estava limpo e eles sentiam o vento em seus rostos. Apesar do barulho do motor, eles conseguiam se ouvir e conversar.

Eu li o primeiro capítulo do livro.

E o que achou?

Lembrei de coisas que aconteceram comigo que devem ter uns quarenta anos. Somos nós não?

Isso é tão obvio para você quanto pro foi pro Cinna. - e riu

O Cinna leu?

Claro que sim. Ele é a primeira pessoa a dar opinião.

E como ele ficou quando descobriu o “nosso segredo”?

Não pode fazer nada, isso já tem tanto tempo. Se eu ainda fosse jovem talvez até tivesse outra reação. Mas, admito que eu fiquei nervosa quando dei o caderno para ele ler. E também nervosa com todo o lançamento deste livro. Afinal, é meu próprio passado.

–”Nosso” você quer dizer.

É! Nosso.

A vampira foi guiando Mark na saída de um local mais afastado para uma cidade agitada, onde ficava o hotel. Entraram separados para não levantar suspeitas.

Amélia o aguardava em frente a porta de seu quarto.

Seja bem-vindo. Desculpe a bagunça.

Acredite, quando eu fico em hotel consegue ser pior do que isso. - disse, tirando o seu casaco e sentando na cama – Ai, que fome!

Agora que falou, eu também.

Vai pedir serviço de quarto?

Quando ele diz “serviço de quarto”, o serviço mesmo é só fachada. É para se alimentar de quem vai trazer o tal serviço. Assim que vampiros fazem.

Não! Eu tenho meu estoque aqui. - disse isso pegando uma garrafa com líquido vermelho e duas taças – Servido?

O que é isso? - Mark fez careta

É sangue!

Engarrafado?

Sim. Eu não gosto de ficar chamando o serviço de quarto o tempo todo. Cinna que inventou isso, especialmente para mim. Já que meu rebanho não pode viajar comigo, recolho o sangue deles e coloco aqui.

Pensando bem, é melhor do carregar bolsas de sangue, como fazem alguns. Essas garrafas se passam facilmente por vinho. - pegou a garrafa da mão dela – Eu prefiro o método tradicional, mas se é o que temos para hoje, tudo bem. Só que sem taças.

Tá bem! - a vampira riu – Também bebo direto do gargalo.

O vampiro arrancou a rolha da garrafa e sorveu um grande gole daquele sangue, segurando com uma mão só.

Delícia! - passou a garrafa para ela – Sua vez!

Amélia também tomou um grande gole, apoiando a garrafa com as duas mãos, uma no gargalo e outra em baixo.

Eles passaram um tempo dividindo aquela garrafa de sangue, alternando o gole de um e de outro. A cena se assemelhava a humanos tomando bebida alcoólica. A vampira terminou a garrafa e um fio de sangue escorreu pelo canto de sua boca, caindo pelo queixo.

Espera. Caiu aqui! - disse Mark

Ele aproveitou e bebeu o sangue que escorreu, indo do pescoço até a boca de Amélia. Roubou um beijo dela. Ao se separarem, ele disse:

Desculpe-me por isso. Estava com vontade fazer isso desde que te vi hoje.

Não tem problema. - sorriu – Sabe, Mark, acho que se meu coração ainda batesse ele estaria acelerado agora.

Acho que o meu também. Mas abandonamos a vida há muito tempo para sentir esse tipo de coisa... E ainda assim, o meu desejo por você é incontrolável.

Isso é algo que está além das coisas vampirescas. Nos conhecemos antes de renascermos e mantivemos nossos sentimentos guardados por anos. São coisas antigas e fora de controle vindo a tona.

Você ainda tem a mesma sensibilidade para perceber as coisas.

Amélia deixou a garrafa no chão perto da cama, puxou Mark pelo pescoço e beijou-o. Ela não queria conversar com ele, pelo menos não agora. Quase sempre ela se lembrava dos dias que passou com ele no passado e como tinha saudade do corpo dele. Ela lembrava que ele era quente, agora não mais, contudo não se importava com esse detalhe. Imaginou por anos como seria o seu reencontro com ele e estava se saindo melhor do que ela esperava.

Os dois vampiros emendaram um beijo no outro e trocavam amassos na cama. Aqueles corpos frios enroscados e que não conseguiam se soltar. Mark percebia bem a intenção da sua semelhante com aquilo e teve que interromper.

Amélia!

Que foi, Mark? - olhou nos olhos dele

Não podemos fazer isso.

E por que não?

Não precisamos disso e nossos corpos não tem mais capacidade para tal. Se você entende o que eu quero dizer.

Você quer dizer que não capaz de ter uma ereção?

Não é isso! Eu até consigo, manipulando o meu sangue para o lugar certo. Mas é que nós, vampiros, não temos necessidade de praticar sexo.

Eu sei, mas não quero chegar até este ponto com você. - ela disse, um bocado chateada – Quer mais sangue?

Quero. Mas, antes, - pegou no braço – podemos terminar o que fazíamos?

Achei que não quisesse.

Os amassos, eu quero sim.

Eles passaram mais alguns minutos trocando beijos e carícias.

A vampira pegou outra garrafa de sangue e enquanto partilhavam desta, conversavam:

Por que não me conta como foi seu abraço?

Foi no meu 20º aniversário, eu estava definhando na cama por causa daquela “doença de família”, então Cinna me ofereceu a proposta a fim de me livrar daquilo. Não tinha nada a perder e aceitei!

E como se sentiu quando ele te mordeu e tirou quase todo o seu sangue?

Eu me senti mais fraca do que já estava, me esforçava para os olhos não fecharem. Mas, depois que eu bebi o sangue dele, toda a força voltou e eu me senti mais viva do que nunca, se é que essa é a palavra certa. E a sua, como foi?

No meu 21º aniversário, William me deu duas opções: Dinheiro para viajar pelo mundo e nunca mais vê-lo ou ser seu sucessor e continuar ao seu lado. Por gratidão, eu escolhi sucedê-lo. Só senti o meu enfraquecer e a minha respiração ficar mais fraca, após a troca de sangue, as forças voltaram.

Pelo menos a sua transformação foi menos sofrida que a minha. Eu já estava quase morrendo quando fui transformada. Ainda penso que foi uma forma egoísta de me livrar da doença.

Preferia ter morrido sem saber a real causa? Da mesma forma que seu pai? Você não foi egoísta, apenas pensou no legado de sua família.

Eu não pensei no legado da família. Eu não mantenho a empresa do meu pai, o outro lado da família faz isso, tenho parte das ações da empresa e já estou até me passando por minha filha.

E no que pensou afinal?

Em você!

Mark arregalou os olhos, tentando acreditar no que ouvira. Amélia sorriu, meio sem graça e beijou-o. Ocorreram outros amassos na cama e eles fizeram coisas fora das suas reais necessidades.

***

Os dois vampiros só despertaram novamente ao anoitecer. Mark levantou primeiro, vestiu suas calças e bebeu o resto do sangue que ainda tinha na garrafa que compartilharam na noite anterior. Aproveitou para ler um pouco do novo livro da vampira que dormia no mesmo quarto. Meia hora depois, Amélia despertou.

Já lendo, Mark?

Ora, não queria te acordar. Dormiste bem?

Nunca dormi tão bem em quarenta anos.

Vá se vestir, William nos chamou para uma exposição em um museu na cidade.

Amélia demorou um pouco para se vestir e eles desceram para o saguão do hotel.

Mark pilotou a moto até o local da exposição e de encontro com os seus mestres.

Finalmente chegaram. - comentou Cinna

Desculpe a demora. É que a Amélia demorou a se arrumar.

Mulheres: Não mudam nem quando renascem. - brincou William

A vampira fez uma careta não achando muita graça, peguntou em seguida.

E sobre o que é esta exposição?

Um escultor que eu e Cinna conhecemos. Morreu deve ter uns duzentos anos.

Que saudades eu sinto dele. Ele era uma boa companhia!

E os mais velhos seguiram na frente. Mark e Amélia atrás.

Lá vão eles com essas conversas saudosistas. Parece que a noite será apenas nossa de novo. - falou Mark

Para mim, isso já basta. - respondeu com um sorriso e pegando na mão dele

Então passaram a observar as esculturas e pinturas que estavam naquela exposição. Para Cinna e William aquilo era um total lembrete do passado. Para os mais jovens, eram muito interessantes, mas nada além disso.

Passaram algumas horas lá dentro e se sentaram em uma praça próxima. Ainda era o meio da noite e tinham muitas pessoas na rua. Os quatro conversavam em um clima muito agradável. Estavam perfeitamente misturados com os outros, os humanos.

De repente, pode-se ouvir um burburinho por conta de um homem jovem que vinha com uma pistola na mão. E ele vinha na direção de Amélia, falou diretamente com ela:

Você... Sua maldita!

Ei, o que é isso, cara? - perguntou Mark

Ela manchou o nome da minha família. - disse nervoso – Amaldiçoou a família Scarlet.

E quem é você, senhor?

Sou Leonelo Scarlet, filho de Ivan Scarlet, neto de Alvar Scarlet. A minha parte da família cuida da empresa, enquanto essa ai mente para nós.

E com que base você faz essas acusações? - indaga Amélia

Olha só para você! Tem anos que sua aparência não muda, meu avó se lembra exatamente de como era e quando ele a descreve é a pessoa que eu vejo agora. Está se aproveitando da nossa família para se manter, se fazendo de geração seguinte, ainda lança livros bobos para leitores tão ruins quanto seus livros. Além de se passar por alguém de meros 21 anos.

Cinna já estava ficando nervoso. Não era algo bom quando alguém descobria sua identidade, ainda mais se fosse alguém da própria família.

E o que eu fiz de mal para vocês? Eu só estou vivendo a minha vida, só isso.

Egoísta! Sua egoísta maldita! Está sugando a reputação da nossa família se tornando um monstro que não envelhece. Está fazendo isso para ficar com todas as riquezas no final e só para você. Esqueceu da empresa, largou-a em nossas mãos. Mas a sua parte nas ações? Delas você não esquece.

Todos os quatro vampiros estavam se sentindo incomodados com toda a situação, já estava despertando muitos curiosos e dessa forma não teriam como se livrar dele. Amélia tentava se defender dos apontamentos.

Nunca fui boa em cuidar da empresa, deixei isso a cargo de quem sabe, assim como minha mãe disse para fazer. E minha porcentagem nas ações é ínfima se for comparada aos lucros totais. Meus livros me dão mais dinheiro.

Não me importam esses detalhes. Eu não quero que carregue mais o nome de minha família. Os Scarlet sempre foram uma família que aceitaram seus destinos sem nem pensar duas vezes. Você não merece isso!

Leonelo ia atirar, porém hesitou.

Que foi? - perguntou Amélia – Atira logo!

Enlouqueceu, Amélia? - gritou Cinna

Não se esqueça, Cinna. Eu não tenho nada a perder. Afinal, as pessoas que eu amava já se foram.

Ora, ainda não tem papas na língua. Não terei pena de você.

Não precisa! Ninguém nunca teve pena de mim mesmo. Ainda mais vocês. Quando papai e mamãe morreram, fiquei abandonada, foi Cinna quem cuidou de mim. Ele se tornou a minha família e bem melhor que todos vocês em todos esses anos.

O humano berrou e puxou o gatilho com vontade. Um tiro estridente ecoou no ar. As pessoas em volta se horrorizaram. Porém, quem foi atingido foi Mark. Ele pulou na frente da vampira, derrubando-a e tomando o tiro no ombro. Seu gemido foi ouvido por Amélia em seguida.

Está bem, Mark?

Estou sim. É só um ferimento leve.

O quê?! - esbravejou Leonelo – Maldito! Vão morrer os dois então.

Ele atirou novamente, mas seu tiro foi em outra direção, atrapalhado por Cinna e William. Ele insistiu em continuar tentando. Cinna mandou aos vampiros mais jovens:

Mark, Amélia, saiam daqui agora!

Enquanto detinham o outro, pularam na moto e foram a um local distante, onde era a simples casa de Mark. Chegando lá, ela ajudou-o a cuidar do ferimento. Retirou a bala e fez uma sutura bem a moda antiga: usando uma faca quente e colocando sob a ferida.

Assim está bom. Amanhã já estarei melhor! Obrigado!

Eu que agradeço por ter pulado na minha frente, Mark.

Você sabe que um tiro no peito é tão fatal para nós quanto para os humanos. Poderia mesmo ter morrido.

Eu sabia que não. Talvez você ou o Cinna tentassem impedi-lo.

Ele conseguiu nos deixar muito vulneráveis chamando a atenção, não podíamos apenas morder o pescoço dele e sugar até desmaiar e depois fugir. Demandou bem mais trabalho.

Espero que Cinna e William estejam bem.

Aqueles dois sabem se virar, tem mais tempo nisso do que nós juntos. - comentou rindo, ficou sério em seguida – Temos que descobrir mais sobre esse Leonelo Scarlet. O que sabe sobre ele?

Além do que ele afirmou, está entrando para a presidência da empresa Scarlet agora. Está no meio do processo de transição.

Ele deve querer mostrar a que veio para os outros como presidente e não vai deixar barato, junto com o que aconteceu hoje.

Eu queria entender todo esse ódio.

Humanos sentem ódio, Amélia, tanto como nós. Mas, eles carregam isso além das gerações, vão passando e as mesmas coisas continuam. Vide que sua família tem inimigos de três gerações atrás.

E agora, inimigos dentro da própria família.

Para eles, a inimiga é você. Acham que está atrapalhando, bem, o Leonelo acha que está manchando o sobrenome.

Obviamente foi porque eu não me permiti sucumbir por essa doença ridícula.

É o mais provável! E ele afirma que você ainda toma dinheiro da empresa.

Não “tomo” o dinheiro, ele sempre foi meu. Era a parte do meu pai, a minha e da minha suposta filha, que sou eu mesma.

Ele deve estar revoltado porque não participa dos problemas da empresa. Só pega o dinheiro e pronto.

Se é isso que o incomoda tanto, é simples: Vendo minha parte a ele. Terei como sobreviver independente disso.

Isso não resolveria. Ele quer se livrar de você! Pois pensa que é um monstro, na visão dele, e isso também mancha os Scarlet. Alias, quem é Alvar Scarlet?

É meu primo! Ele já deve ser bem velho. Não entendo o porquê da doença deles se manifestar mais tarde.

Ele não vai descansar enquanto não te matar. Temos que dar um jeito nisso.

Melhor conversar com Cinna sobre isso.

E com William também. Eles podem te dar algum bom conselho. - acariciou o cabelo dela -Vamos relaxar, por ora. Aqui é seguro!

Ainda estou incomodada por ele ter falado mal dos meus livros.

Ele nunca deve ter lido nenhum deles. É alguém sério demais para ler os seus romances.

Amélia sorriu com aquelas palavras e questionou depois:

Será que eu poderei pegar as minhas coisas no hotel?

Ele já deve alguém tomando conta por lá. Só se for alguém que não seja você.

O celular da vampira tocou, era Cinna.

Onde estão?

Estamos na casa do Mark.

Ah, que bom! Achei que estivessem no hotel. Eu tenho que parar de subestimar o Mark. Ele realmente pensa alguns passos a frente.

Virá para cá?

Claro que sim. Temos que resolver essa situação o mais rápido possível.

Tudo bem! Estou te esperando.

Alguns minutos depois, os vampiros mais velhos chegaram.

Como fizeram para detê-lo? - perguntou Mark

Depois de muito segurá-lo, fomos obrigados a apagá-lo. Claro que no método humano. - respondeu William – As pessoas em volta nos acharam agressivos, mas nem demos atenção a isso. Colocamos ele deitado em um banco e viemos para cá.

Amélia, vamos nos sentar, precisamos conversar. Vocês dois podem se juntar a nós.

Os quatro se sentaram a mesa daquela casa simples. Cinna começou:

Amélia, querida, o que aconteceu hoje não podia ter acontecido de forma alguma. Sua identidade está ameaçada.

Sei disso, Cinna. Não foi algo intencional.

Não foi a curto prazo, mas sim a longo prazo. Ainda está vinculada a sua família desde o seu renascimento. Normalmente, os vampiros se desvencilham da família humana nos primeiros anos. No seu caso, já se passaram quase quarenta. Isso é tempo demais!

Ela apenas ficou cabisbaixa, Cinna estava completamente certo.

Sei que você ainda é ligada a sua humanidade, mas precisa se livrar dela, mais cedo ou mais tarde. Deixe a sua família seguir em frente como se nunca tivesse existido.

Então, para o Leonelo parar, ela forjará a própria morte. - afirmou Mark

É exatamente isso o que tinha em mente.

Mas e a mansão Scarlet e tudo dentro dela? Afinal, aquela é a minha casa.

Quanto a mansão e a sua fortuna como escritora podemos resolver, só passar para o nome de um de nós três no seu testamento.

Eu acho melhor ser para o Mark. - se meteu William

Concordo. Ele é o rosto mais desconhecido de nós.

E a parte das ações volta para a família? - questionou ela

Exatamente. Assim acabaremos com o único vínculo que tem com eles.

Precisamos montar um plano para que o Leonelo tenha certeza que Amélia morreu. - sugeriu Mark

Deixaremos isso com você e Amélia. - completou Cinna – Mas, primeiro resolveremos a parte do testamento. Vamos redigir um aqui mesmo e eu mexerei uns pauzinhos na data para ela ser de bem antes de hoje.

Assim eles fizeram. Naquela mesma noite, Cinna registrou o testamento com a data de um ano anterior.

Mark e Amélia pensaram no plano para a falta morte dela. Era óbvio que Leonelo ia querer vingança e ver Amélia sofrer antes de morrer. Mark previu que ele a raptaria, a torturaria um pouco e depois a mataria. Nesse momento que vinha a “forja da monte”. Pediram para Cinna e William arrumarem um corpo falso, como se Amélia morresse carbonizada. Isso foi até bem fácil.

A vampira usaria seu poder de fogo para incendiar o local. Obviamente eles não matariam o humano. Tudo isso foi resolvido no decorrer de duas noites.

Na noite seguinte, Amélia estava pronta para colocar um fim na sua vida de humana e também na sua carreira de escritora famosa.

Retornou ao hotel e de acordo com as previsões de Mark, ela foi raptada por Leonelo. Ele arrastou-a até um carro e levou-a a um local afastado da cidade. Os outros três vampiros seguiram o carro.

Amélia foi amarrada em uma cadeira e o Scarlet começou seu discurso:

Deve estar se perguntando porque eu não te dei logo um tiro? Depois do que aconteceu antes de ontem, eu preciso ver você sofrer um pouco.

Vai me torturar só por diversão? Depois sou eu quem está manchando o nome dos Scarlet.

Não diga isso. Foi você quem começou! Eu só estou lavando a honra da família. - falou puxando fortemente os cabelos dela, forçando-a a olhar para ele – Não vou mais enrolar.

Soltou-a e pegou uma faca. Depressa cravou em uma das coxas de Amélia. Ela só conseguiu gritar.

Ora, então você sente mesmo dor. Maravilha!

E repetiu o processo na outra perna, que foi seguido de outro grito dela.

Ambos foram ouvidos pelos outros do lado de fora. Eles não podiam fazer nada ainda, isso fazia parte do plano.

Leonelo foi torturando Amélia em todas partes do corpo. Foram vários furos e cortes. Na barriga, nos braços e nas pernas.

Achando que ela seria incapaz de fugir, desamarrou-a da cadeira e a largou no chão. Era a oportunidade que ela aguardava.

O momento em que ele se virou para pegar a arma foi o suficiente. Quando percebeu, o fogo já estava alto.

O que fez, maldita?

Um favor para você. - disse com um sorriso sarcástico e riu em seguida

As primeiras labaredas que apareceram diante do céu noturno foram o sinal para Mark Drake entrar no local carregando o corpo falso.

Leonelo ainda insistia. Colocou a ponta do cano da arma sob o peito dela, no coração. Prestes a apertar o gatilho, mas tinha que ter a frase de efeito:

Adeus, Amélia Scarlet! Acabou!

A vampira foi mais rápida. Puxou o parente e lhe mordeu o pescoço. Sugou sangue suficiente até ele desmaiar.

Seu filho da puta! - ela xingou

Ouviu a voz de Mark na sequência, ele se aproximou dela:

Você está bem? Eu ouvi seus gritos lá de fora.

Estou bem. O sangue dele ajudou a fechar alguns dos ferimentos.

Precisamos sair daqui. Aqui é bem mais inflamável do que eu pensei. Coloque fogo no corpo falso e vamos sair daqui.

Como Mark disse, ela fez. Ele saiu carregando o humano e ajudando Amélia que ainda tinha dificuldades para caminhar. Os dois alcançaram a noite exaustos e felizes que o plano deu certo.

As autoridades foram acionadas por conta do incêndio. Porém, só encontraram um lugar completamente em cinzas e um humano desmaiado e fora e perigo.

***

Os noticiários dos dias seguintes falaram sobre o incêndio e o corpo carbonizado encontrado. O sobrevivente não tinha ideia de como tinha se salvado.

Também houve a confirmação de que o corpo encontrado era da famosa escritora Amélia Scarlet. O seu enterro foi muito triste para muitos.

Seu testamento foi lido e um jovem amigo da garota ficou com todas as suas propriedades, com exceção da parte dela na Empresa Scarlet.

Amélia não se sentia tão bem e livre em tanto tempo.

Depois de alguns dias, ela retornou a sua casa. Ela estava olhando a pintura de seu pai em um dos salões e falava com a imagem:

Papai, me perdoe ter sido tão egoísta. Eu não quis morrer para a mesma coisa que te matou. Eu decidi continuar sendo uma Scarlet e também ser vampiresca. Acho que eu fiz errado, mas agora consertei esse erro. Não existo mais para a família Scarlet. Mas, eu nunca deixarei de ser uma Scarlet. Porque eu sei que eu honrei o nome desta família, não da maneira correta, mas, sim, a minha maneira. Agora, papai, ascendi a uma outra vida.

Amélia? - Mark entrou no recinto

Ah, diga, Mark.

Tem uma carta para você. É do clã!

O que será? - ela abriu – Um dos príncipes quer falar comigo. Isso é um mau sinal?

Levando em conta o que aconteceu... Acho que sim!

Amanhã a noite. Será que é longe? - e mostrou o endereço

Não. O castelo dele não é muito longe daqui.

***

Na noite seguinte, Amélia foi ao castelo de Elliot Noble, um dos príncipes da Camarilla. Ele ficou sabendo dos acontecimentos acerca da jovem vampira e queria tirar as devidas satisfações.

Vossa alteza! - cumprimentou-o

Srta. Amélia. Acho que sabe bem os motivos de ter solicitado a sua presença nesta noite.

Sei sim, Alteza.

Pelo que lembro, solicitei apenas a sua presença, por que tem mais três com você?

Perdoe-me, eles me trouxeram até aqui, não sabia o caminho. Caso queira, eles podem sair.

Não! Não! Está tudo bem. Vamos resolver logo o assunto. - ajeitou-se em seu trono – Sua máscara quase que foi descoberta, não é? Mas não foi por que você contou a alguém?

Sim e não. Foi um membro de minha família que começou a suspeitar que tinha algo errado.

Família? Ainda tem vínculos familiares? - ele ficou perplexo – Como isso é possível?

Eu tinha. Cortei oficialmente alguns dias atrás. O vínculo que eu tinha eram apenas as ações da empresa. Tem anos que não os vejo.

Quando se entra para o clã da Camarilla, deve-se cortar totalmente as relações familiares humanas, afinal, agora ela é outra. Cinna não te disse sobre isso?

Disse sim. Eu que fui mesmo teimosa, Alteza, perdoe-me.

E como resolveu?

Eu forjei a minha morte, com a ajuda deles. - apontou para os vampiros atrás dela

Excelente! Apesar dos pequenos problemas que causou, conseguiu contornar a situação. Aposto que foram recomendações de seu mestre.

Sim, Alteza. - ela se curvou novamente – Eu terei algum tipo de punição por meus atos?

Por favor, se levante, senhorita. Eu não punirei você. Ainda será de grande valia para a Camarilla agora que voltou para as sombras.

Obrigada!

Mas eu espero que continue com os seus livros. Eles são realmente muito bons! - falou sorridente – Só espere uns cem anos antes de lançá-los de novo aos humanos.

Alteza, eu me cansei disso. Quem sabe continue apenas como a escritora dos vampiros.

Assim já está de bom tamanho. Seja bem-vinda de volta aos trabalhos da Camarilla.

Ah, Vossa Alteza, ela não pode trabalhar para nós sozinha. - se meteu o conselheiro

Sei disso, conselheiro. Já designei um parceiro para ela. - e apontou para Mark – O nosso melhor investigador: Mark. Ele está precisando de companhia e parece que eles já se dão bem.

Obrigado, Alteza. - Mark veio a frente e se curvou

Desculpe importuná-los esta noite. Estou oferecendo parte do meu rebanho para desfrutarem, serão meus convidados.

Passaram parte da noite na companhia do príncipe Elliot, que deixou de ser a alteza naquele momento.

Os quatro vampiros voltaram a mansão Scarlet bem antes do amanhecer.

***

Algumas noites depois, os vampirescos tinham uma festa para ir. Os três homens já estavam prontos, apenas esperando a única dama.

Caramba, por que até as vampiras demoram a se arrumar?

Amélia sempre foi assim, William, melhor se acostumar.

Eu vou vê-la lá em cima. - se pronunciou Mark

O vampiro subiu as escadas e bateu a porta. Amélia permitiu sua entrada. Ela estava olhando o céu pela janela, tomando uma taça de sangue, da forma que gostava.

Está pronta? - falou se aproximando

Sim. Só estava me alimentando um pouco e também olhando o jardim. - Virou o resto do líquido na taça de uma só vez.

Eu ainda não acostumei com esse seu hábito, sabia.

Eu sei.

Eles desceram e foram ao destino.

***

Alguns meses após estava acontecendo outra festa, desta vez na mansão Scarlet. Era finalmente o casamento de Amélia e Mark.

Não era uma coisa muito comum de acontecer com aqueles seres. Quando acontecia era realmente um fato a ser comemorado, tanto que, até o príncipe Elliot estava presente.

Meus parabéns, noivos! Primeira vez em toda a minha eternidade que eu vejo um amor tão forte entre dois vampiros e também um casamento.

Obrigado, Elliot. Mas nosso amor começou bem antes de sermos vampiros.

Isso é verdade. - gritou Cinna, do outro canto do salão

E tem até um livro. - completou Amélia

Ora, qual?

A preciosa semana.

Ah, eu li este. Agora que eu parei para prestar atenção, os personagens são mesmo vocês. - comentou ele rindo

Depois que todos foram embora, o casal foi para o agora quarto deles.

Faremos como humanos fazem? - indagou Mark

Se você também quiser.

Com você, eu quero qualquer coisa.

***

Amélia Scarlet passou de uma simples humana, órfã e com depressão, para uma vampira poderosa e apaixonada.

Ascendeu no renascimento e no amor. Realizou o seu maior sonho, que era reencontrar Mark. E estava realizando outro: Ficar ao lado dele.

Agora eles eram marido e mulher, também parceiros no que realizavam em favor de seu clã.

Amélia tinha perdido sua família muito cedo, mas arrumou outra com Cinna, Mark e William. E esta aumentou. Adotaram um órfão e quando ele tinha idade suficiente lhe concederam “o abraço”.

Ainda se considerava uma Scarlet, mas uma diferente. Ela era o outro lado da família. O que abdicou de morrer por uma doença fatal para viver a eternidade ao lado de quem ama e sem medir esforços para tal.

FIM
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